quinta-feira, janeiro 29, 2009

Nem uma palavrinha de agradecimento, parte II

A zeladora dos altares não concordou, embora o rímel continuasse a olhar na direcção das minhas palavras, isto é, da minha boca. E, já que não serviram, continuei. Na Casa de Deus há muito espaço, muitos lugares, muito que fazer. Há para todos. Todos têm para fazer. Funções, responsabilidades, serviços. Até ao Concílio Vaticano II os leigos não eram considerados membros activos da Igreja. Não participavam na eucaristia. Assistiam. Não celebravam os sacramentos. Recebiam-nos. Eram espectadores passivos da actividade da hierarquia. Depois as coisas foram mudando. Porém, na minha opinião, as mentalidades ainda não mudaram o que deviam, quer de padres quer de leigos. Todos têm opiniões sobre o assunto. Mas uns não querem abdicar do monopólio. Outros não querem assumir o trabalho.
Servir na Igreja, minha amiga, é um direito e dever de cada um. E o serviço deve ser só isso, serviço gratuito. Todo o cristão deve ser activo, e tem um “lugar” a cumprir na comunidade. Não peça agradecimentos. A mim. Aos outros. A Deus. Faça-o como verdadeiro serviço. Acho que não gostou da palavra serviço, porque saiu porta fora sem dizer sequer Vou-me embora.

domingo, janeiro 25, 2009

Nem uma palavrinha de agradecimento, parte I

Andava eu atarefado pelos corredores da Igreja. Dirigia-me ao confessionário, o meu local de eleição. Vem uma zeladora dos altares, borrifada de batom e aquilo dos olhos, o rímel, cuido eu: Vou desistir, senhor padre. Nem uma palavrinha de agradecimento! Sua ou dos outros! Fiquei boquiaberto com a frase e com o rímel. E atalhei quando fechei a boca e abri de novo: o melhor agradecimento é quando estamos em sintonia com a pessoa que merece o nosso agradecimento e apoio. Melhor do que falar na missa dos valores de cada servidor, é sintonizar com eles, partilhar, simplesmente estar com. Aprendi isso porque um dia o bispo louvou muito o nosso trabalho, meu e da equipa diocesana, durante a homilia. Mas depois da missa, ausentou-se para outras actividades, que nem eram bem diocesanas. E estavam lá mais de mil pessoas. Suas ovelhas. Fiquei, como há pouco, boquiaberto. E “olhiaberto”. O melhor agradecimento ou demonstração de valor era ter ficado connosco o resto do dia.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Meu Deus, porque me abandonaste?!

Acabei há pouco um funeral. E agora refugio-me aqui. No confessionário escuro e frio. Era um jovem de 26 anos que faleceu num acidente de automóvel. Filho único. O emprego conseguira-o há pouco tempo. Depois de vários anos a estudar em Lisboa. A mãe, segundo me disseram, aquando da gravidez, teve imensas dificuldades. Correu risco de perder a criança. Esteve em repouso absoluto e foi guiada por médicos para conseguir os seus objectivos. Dar à luz. Um mar de gente na Igreja. Eu tremia por todos os lados. Ainda bem que não conhecia a fundo o jovem. Mas já estou a rezar por causa de alguns amigos. Fico sem voz ao pensar. Hoje fiquei sem pinga de sangue. O que dizer na homilia. Que não sabia o que dizer. E fui utilizando a expressão de Jesus “Meu Deus, porque me abandonaste?” e fiz entender que também Ele fraquejou. Mas que aceitou. E que à luz da Vitória da Ressurreição, alimentamos a nossa esperança, o nosso ânimo. E que se o levou, era porque gostava muito dele. Que se calhar o queria privar de tanto mal que existe no mundo. E que não há possibilidade de nos conceder todos os milagres. Que senão teríamos hoje gente com milhares de anos. Não tinha sentido nascer. Que devíamos continuar as obras começadas pelo jovem Rodrigo. Que devíamos aprender com isto da morte a lição da vida. Nesta ocasião todos somos iguais. Não há ricos nem pobres. Que não sabemos o dia nem a hora. Que perdemos tempo preocupados com tantas futilidades. Que devemos estabelecer prioridades. Que não devemos estar a mal com ninguém. Que devemos amar enquanto é tempo. Que devemos procurar sentido para a vida. Que devemos… E rezei a pedir fé aos pais, porque ela também me ajudou a segurar o barco em momento idêntico aquando da morte da minha mãe. E vim para casa com os gritos dos pais nos ouvidos.
E pergunto. Porque me custa tanto celebrar funerais?! Porque tenho tanta fragilidade nestas ocasiões, Senhor?!

sábado, janeiro 17, 2009

A homilia da Paula

O homem sobe para o ambão e começa num berreiro contra o pessoal. Deu lenha o tempo todo. Foi chapada velha, pontapés e chutos a torto e a direito. E vai daí, durante meia hora não teve uma única palavra de afecto. O tipo deve ter entrado no Seminário por frustração. Não viveu com pessoas. Não deve ter conseguido ver que à volta dele há pessoas independentemente dos seus pecados. Cruo. Não percebe que muitas daquelas pessoas que vão à igreja vão porque provavelmente todos sofrem e não interessa com o quê ou porquê. Simplesmente sofrem ou no mínimo estão à procura de algo. Aquele tipo é um triste coitado, que não percebeu nada do que andou a estudar. Berrou, berrou. Vós vindes à missa pedir para vós e não Lhes agradeceis as graças que Ela vos dá. Adorais Maria e esqueceis-vos que a figura principal é Deus nas suas três formas. Vindes à igreja quando precisais e depois tudo cai no esquecimento. Etc e etc, padre. O tipo é louco, nem imagina. Berrava de dedo em riste. Vós pensais que Maria é uma extraterrestre, mas não é! Vós podeis ser como ela. Uma mulher que se entregou, confiou. Uma mulher casta, livre de pecado. Ó padre, só faltou dizer que éramos todas um bando de putas. Uma tristeza. Até o rosto dele só espelhava tristeza. Nunca abriu a boca senão para berrar. Por isso nunca mostrou um sorriso. E repetia a treta da extraterrestre. Nunca mais vou àquela missa. Parecia um peixeiro a vender o seu peixe. Não vou não.
Ouvi e ouvi. Também ela se repetia insistentemente. Mas não berrava. Eu bem sabia que assim era. Ainda há dias numa sondagem verificávamos que as homilias têm sido descuidadas por muitos padres. Mas eu tinha de ensinar à Paula que a missa não é o padre e que a homilia é a mensagem de Deus actualizada. Se calhar ia usar a oportunidade errada. Mas não resisti e fui dizendo. Não devemos nunca confundir a mensagem com o mensageiro. Trata-se de uma voz. Nada mais. Uma voz entre outras. Aliás, a voz é um conjunto de sons que servem para comunicar uma mensagem. Sabes o que sucede depois à voz? Desaparece. Só fica mesmo a mensagem. O mensageiro pode ser rasca, deixar-nos à rasca, mas a mensagem será sempre uma Boa Notícia se for a mensagem do Evangelho. A mensagem será sempre a mesma. O resto pode variar. Isto serve para perceberes que a mensagem é que importa e que os que a transmitem são menos importantes. Aliás, isto também serve para nós, os mensageiros, percebermos que não devemos ter veleidades nem nos confundirmos com a mensagem ou a distorcermos. Eu falava, falava. Não berrava, não. E pensava que lhe estava a ensinar algo importante. De facto estava. Mas ela interrompeu-me para dizer. Ora aí está. O mensageiro não deve distorcer a mensagem.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Hoje foi daqueles dias

Venho aqui para me confessar. Não há padre. Numa linha de não sei quantos quilómetros só existe um padre. Eu. Não há ninguém para me ouvir. Só Deus me escuta. Só eu me escuto. Entro de mansinho. Não me sento na cadeira normal, mas no canto direito do confessionário. Acocorado. As mãos a segurar a cabeça. Não chegam para envolver os pensamentos. É um daqueles dias em que vou às compras e me telefonam quando estou para pagar. Faço a menina esperar. Ela sorri. Os que estão depois de mim acenam com a cabeça para a direita e para a esquerda. Sim. Diz. Onde estás. No Modelo. Que fazes? Compras. Tas a ver! Se tivesses esposa, agora ela estava aí contigo a fazer as compras lá para casa e para os miúdos. Não estavas sozinho. E ri-se, a brincar. Eu não. Decido desligar com a desculpa que estão muitos à espera a acenar para a direita e para a esquerda. São vários os casais. Pago. Fico no carro a olhar alguns minutos para o volante. Foi assim que escolhi. Fazer compras sozinho. E rezo sozinho na esperança de que estejam mais a rezar. Na esperança de que não esteja sozinho. Viajo sozinho até casa e entro sozinho. Arrumo as compras sozinho. Sento-me sozinho. Depois ajoelho-me cansado no chão frio e…rezo acompanhado!

sexta-feira, janeiro 09, 2009

O céu e o inferno, parte III


A reunião demorou muito mais que o previsto. Quando eu esperava que o resto dos presentes virassem olhares e caras, cruzassem as pernas duas e três vezes ora para um lado ora para outro, abrissem a boca por detrás da cova da mão, fizessem ruídos da forma como pudessem, afinal o silêncio recortava-se apenas pela minha voz e pela do pai do Diogo. Ora um ora outro. Reconheço que a minha se fazia ouvir mais. Não porque eu berrasse, mas porque demorava mais tempo e usava mais palavras. Geralmente as respostas são mais longas que as perguntas quando as perguntas são perguntas de vida. Quando são apenas de coisas supérfluas, pode bastar um sim, um não ou um talvez.
Mas porque é que uns vão para o céu e outros não? Qual o critério de Deus?
O problema está em pensarmos Deus como um juiz à maneira humana. Ele não julga, premiando ou castigando. Ele acolhe quem O quer e acolhe de maneira diferente quem não O quer. Por isso o céu e o inferno não são negociáveis. Deus deixa-nos livres nas nossas opções. Se O abandonarmos, se prescindirmos Dele, se nos afastarmos Dele, Ele não impedirá que o façamos. Deus criou-nos livres. Ele não te abandonou nem abandona. Ele deixa que decidas se O queres amar. Fazem assim os pais verdadeiros. Ele é pai verdadeiro. Se o abandonaste, terás de viver com esse abandono. Depois é uma questão de sentires ou não sentires o Seu amor. Isso será a forma de se ter céu ou inferno.

domingo, janeiro 04, 2009

O QDP da Nanda

E isto e aquilo e aqueloutro. A Nanda falava das suas maleitas e dores. Queixava-se da dor que tinha no braço, das pernas que não andavam como dantes, dos olhos que não viam e estavam sempre cheios de remela. E agora veja que me morreram duas ovelhas. Foram atropeladas. Então como foi isso, ti Nanda? Já sabe que aquela estrada é perigosa. Deviam fazer estradas para as ovelhas. Mas não. Não fazem. Os animais não podem competir com os carros. Ela não dizia assim, mas eu entretinha-me a pensar assim.
Eu ficara para trás. Sabe, as pernas já não ajudam. Aquelas malucas iam na frente do rebanho. Veio um gajo meio lançado, num carro vermelho, elas estavam distraídas, as burras, quer dizer, as ovelhas, e zumba, catrapuz, e eu a vê-las voar sem poder fazer nada. Se ao menos eu soubesse voar para as apanhar no ar. Mesmo assim, elas já deviam tar mais para lá que para cá. E foi assim, padre. Já viu a minha desgraça? Não tenho sorte nenhuma com a vida. Só a mim. A Nanda tinha este condão de se queixar constantemente, com motivo e sem motivo, com vontade e sem vontade. Por isso lhe ensinei o QDP. Também a mim mo ensinaram e tem sido muito útil. Trata-se do “Que De Positivo” podemos encontrar nas coisas que nos acontecem, mesmo nas más ou que achamos negativas. Há sempre qualquer coisa de positivo nas coisas. Também penso assim em relação às pessoas. Têm sempre algo de positivo. E temos de aprender a encontrar esse algo positivo em tudo, Ti Nanda. E como é que eu encontro algo positivo na morte das minhas Amélia e Lourença? Ó Ti Nanda, já imaginou se a senhora tivesse boa perna e caminhasse à frente das ovelhas?

sábado, janeiro 03, 2009

sondagem_ “Pede um desejo para 2009”

Passados que vão três dias do início do ano 2009 e mais de 200 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado esquerdo, no sidebar. A proposta era:
“Pede um desejo para 2009”

E os resultados são:
1. + Justiça _33%
2. + Saúde _15%
2. + Fé _15%
4. + Amor _15%
5. + Esperança _ 9%
6. + Paz _ 7%
7. + Cultura _ 3%
8. + Dinheiro _ 1%
9. + Descanso _ 1%
10. + Diversão _ 0%
_________________________
pequenas considerações:
Hoje ainda faço menos considerações que na anterior sondagem. O assunto é demasiado pessoal e tem tudo a ver com os sonhos, desejos, problemas e dificuldades de cada um. Com certeza cada um pediu aquilo que maior falta lhe faz. Porém, é intressante perceber o que as pessoas mais desejam.
  1. Realço que foram valores cristãos o mais pedido. A metade inferior da tabela não se refere a valores e acabou por ficar constituída por “cultura”, “dinheiro”, Descanso” e “diversão”.
  2. Fico com alguma alegria ao verificar que o “dinheiro” e a “diversão” não são consideradas como essenciais para 2009. E embora se fale tanto em crise económica, os meus penitentes preferem outros bens mais essenciais.
  3. Não consigo perceber o porquê da justiça ter ficado em primeiro lugar. Pode ter-se dado o caso de ter havido alguém que votou várias vezes nela. Mas isso não se considera agora. Pensarei que se trata de um pedido para que haja mais igualdade de oportunidades.

Hoje surge nova sondagem, ainda a pensar no ano 2009. Enquanto na anterior sondagem, a proposta prendia-se a coisas pessoais, a desejos e anseio pessoais, esta prende-se, de uma forma altruísta, aos outros. Tendo em atenção que a Igreja Católica somos nós, o conjunto dos católicos, e não somente uma estrutura organizada hierarquicamente, que desejas, anseias e sonhas, ou gostarias que melhorasse ou mudasse na nossa Igreja em 2009? Por isso desta vez surge a seguinte proposta:

Pede um desejo para a Igreja Católica em 2009