quarta-feira, janeiro 30, 2008

O suspeito

As pessoas vivem em permanente desconfiança. Fazem-no em relação a quase tudo e a quase todos.... humm... faz-me desconfiar. E claro que desconfio, pois no que se refere à Igreja sobe-se ao transcendente, isto é, a desconfiança passa dos limites do conhecido. Suspeita-se sempre da Igreja. O religioso é suspeito. Se afirmares que és cristão, tornas-te suspeito. Se afirmares que vais à missa, és já um suspeito perdido. Se contares que estás a pensar em ser padre tornas-te um suspeito a achincalhar. Se te ordenares padre, tornas-te um suspeito conhecido. Se te tornares pároco, tornas-te, aos olhos dos teus paroquianos, não só suspeito, como o suspeito. Tornas-te um dos suspeitos mais perdidos, conhecidos e a achincalhar. Tornas-te um dos alvos preferidos da suspeição dos teus paroquianos.
Acontece muito alguns garantirem ter visto isto e aquilo, esquecendo que a mente vê sobretudo o que nós queremos. No café ou na fábrica toda a gente viu ou sabe quem viu. Toda a gente garante que se viu.
A mim já me viram em diversas poses, perfis, silhuetas, posições. Inclusive me viram à mesma hora em que celebrava a Eucaristia a beber um café em determinado café. Já me viram muito bem acompanhado, convenhamos, ou em locais muito interessantes, ou a fazer coisas interessantíssimas. E já conseguiram juntar estas três. Encontraram-me num local que não conheço com uma pessoas da paróquia que, independente de ser gorda ou magra, alta ou baixa, não me diz nada em termos de beleza ou de simpatia, a fazer a mais recôndita das acções. E depois fala-se, em segredo, que o padre não pode saber que a gente sabe. Mas há sempre alguém que se descai. Faz parte da novela. Ou se descai porque é amigo e quer o bem. Ou se descai porque tem de ameaçar o padre. Ou se descai porque tanto segredo não cabe em tão pequena boca. Na primeira observação quase sempre me rio. Por isso quando me contam algo de outros colegas sacerdotes, nunca acredito. Às vezes também fico a pensar. Mas digo que não acredito. No entanto, quando penso nas pessoas que podem estar a sofrer à custa do padre, porque alguém tinha de ser visado para apimentar a novela, fico indignado. Já para não falar nas vezes em que somos insultados. Um dia chegaram a indicar-me o caminho do inferno. Que era lá o meu lugar.
Até entendo que o padre, como figura mais ou menos pública, seja motivo de conversa. Mas não entendo que as pessoas coloquem na boca, nos pensamentos e nas acções de um padre, aquilo que ocupa a maior parte das suas lucubrações e desejos. Das suas, que se refere a elas, óbvio.
Não há morangos com açúcar ou abraça-me ou atira-te a mim ou o não sei quê, que eu não fixo os nomes das telenovelas, que chegue aos calcanhares destas.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Isto é que é um padre?

A pergunta não era pergunta. Era uma provocação. Na cabeça dela uma constatação, mas no coração uma provocação. E tudo porque o padre não estava tão bem disposto como ela pretendia. Não era propriamente normal vê-lo de caras avessas, roborizar, virar costas, dizer que não queria falar ou mostrar a sua face menos bonita. Aquela cheia de rugas na fronte. Olhos grandes para não deixar a razão ocupar muito espaço na cabeça. Dentes cerrados a ver-se. Isto é que é um padre?
Digamos que a senhora até podia ter razão. A sua. Podia estar num dia menos agradável. Mais cinzento. E toca de desembuchar os nervos para cima do padre. A cara bonita sem contornos. Sobem alguns decibéis. O padre vai aguentando. Vai tentando sorrir sem vontade. Vai tentado compreender, sem entender. Vai tentando estar ali, sem estar. Recorda outras passagens idênticas. De outras pessoas, provavelmente. Mas o padre também acordou menos bem. O padre, que é uma pessoa. Primeiro pensa Que estou eu a fazer aqui? Depois pergunta-se Valerá a pena responder? Ainda guarda um tempo para Não vale a pena falar agora. Falarei mais tarde e com mais calma. Estou a passar-me. No final decide Não querem ver a minha cara feia, pois não? Ela até já não estava bonita. Mas a decisão estava tomada Preciso de sair daqui antes que estoire. É que hoje não dá mesmo.
E volta as costas quando ouve Isto é que é um padre?
A pessoa pode ter nervos, mas o padre não. Padre é pessoa. Os padres deviam ter capacidade para aguentar quase tudo. Mas só quase. Deviam ter vinte e quatro horas para ouvir sem estoirar. Deviam estar sempre disponíveis e a sorrir. Deviam ser simpáticos. Mesmo para quem não é. Deviam responder a tudo que sim ou pelo menos um não de forma agradável, que mais pareça um sim. Deviam calar pura e simplesmente muitos dos seus pensamentos menos porreiros. Deviam saber encaixar as provocações todas, sobretudo as mais directas. Deviam ser perfeitos, mas como os outros para que não se sintam superiores. Deviam ser Deus. Mas, feliz ou infelizmente, não são.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Mais uma razão para me dar razão

Ainda se contam pelos dedos, mas já quase não me sobram para contar o número de anos em que estou nestas paragens. E recordo que logo nos primeiros tempos fiz uma estudada reflexão para explicar que se tornava muito simbólica a comunhão pela própria mão, e que essa razão ainda era mais importante que a higiene do acto. Não tenho qualquer pejo em dar a comungar directamente na boca, embora em muitas ocasiões os dedos sejam humedecidos pelas línguas respectivas e seja difícil concertar a distribuição com a recepção. Porém, convenhamos que comungar com o esforço próprio tem o seu significado. Não esperamos apenas que Deus venha ter connosco. Igualmente o acolhemos para o podermos contemplar mais de perto, para podermos tratá-lo com carinho. São apenas razões. O importante é mesmo a comunhão. Nem se trata de um modernismo. Ainda há tempos, na Alemanha, me lembro de me colocarem nas mãos um panfleto que abominava quem comungasse de outra forma que não directamente na língua. A falta de tolerância e a forma como condenavam quem fizesse o contrário só veio dar mais razão às minhas razões.
Avancemos. Apesar da minha explicação, muitos dos meus paroquianos continuam a comungar directamente na boca, e eu respeito. Obviamente. E falo nisto porque há dias aconteceu-me o inusitado. Uma senhora ia morrendo afogada ou abafada com a comunhão. Explico. Como nem toda a gente abre convenientemente a boca e estende a língua, por vezes torna-se quase impossível que a comunhão não tenha atropelos. Vai daí que a referida senhora não abre a boca como deve ser, deixa a língua atrás da placa dos dentes, a hóstia toca nos emprestados dentes, estes deslocam-se, desencaixam, e a senhora, aflita, engasga-se durante uns bons segundos, avermelha, aflige ao seu redor, aflige-me a mim, aflige Deus, até conseguir colocar tudo no devido lugar e voltar também ao seu. Parece uma anedota, mas não é.
É mais uma razão para me dar razão.

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Escolha certa e história errada

Escolheu um homem, digamos que o homem certo, com uma história errada. E por isso não teve direito a nada. A nada que é como se costuma dizer. A nada é como quem diz. Tem direito a ser feliz, caso faça por isso. Mas como mulher de fé que se deixou apaixonar por um homem divorciado, apenas teve direito a rezar. Mas o pior é que, por culpa da minha complacência, a dor de não poder casar religiosamente ainda aumentou.
Digamos que legalmente não é correcto deixar usar uma instalação religiosa, mesmo que seja um adro de uma capela, para um casamento civil. Não é, de todo. Mesmo que a boa intenção esteja lá. Nem uma bênção de alianças que mais não seja como que um bênção de um objecto importante para uma pessoa. Mas pastoralmente ficamos sem armas para esgrimir, sem soluções para ter, sem sabedoria e sensatez para decidir.
Por isso anui com algo parecido. Um adro, uma bênção rápida das alianças.
Conclusão das conclusões. Errei. Os superiores contactaram-me e proibiram-me. Alegaram “Infâmia”. Nunca me tinha acontecido isto. Mas aconteceu. Alguém foi comunicar o que eu estava para fazer. Também não sei se o interesse em comunicar era o de ajudar ou o de prejudicar!! Há destas coisas. Mas a culpa é só minha. Não é dos que se chibaram. Eu devia saber que não devia fazer. Por isso, e em vésperas do acontecimento, tudo foi reduzido a nada. A nada é como quem diz. Ela tem direito a ser feliz e Deus há-de encarregar-se de lhe fazer perceber que a ama nesta opção de procurar a felicidade.
Porém, hoje estou triste. Pelo meu erro, pelas consequências do meu erro, e por perceber que as escolhas das pessoas podem até considerar-se acertadas, que se a história estiver errada, continuará sempre errada.

quinta-feira, janeiro 17, 2008

De rabo a abanar

Quando entrei na igreja matriz também quis entrar. É uma criatura de Deus este cão, pensei. E embora pudesse ter melhores ouvidos à Palavra de Deus que muitos dos nossos cristãos, não fazia propriamente parte da comunidade. Esbocei um gesto para o afastar. Ou com medo ou com respeito, afastou-se. Dois acólitos que entravam comigo falaram-me da sua amizade. Que eram muito amigos. Aproveitei a ocasião para lhes falar das criaturas de Deus que merecem o nosso carinho. E assim demos início à Eucaristia.
Lá estavam os acólitos nas suas alvas brancas, de velas na mão, em frente ao ambão e eu a proclamar o Evangelho quando, por entre a multidão surge o nosso amigo cão. Algumas pessoas tentaram afastá-lo da ideia de se passear pela coxia. Em vão. Por entre calcanhares e pernas, foge e intenta chegar junto dos seus carinhosos amigos, os acólitos. Eu vou assistindo do canto do olho. Um no livro e outro no desenrolar da situação. Uma jovem mais decidida encaminha-se na sua direcção. Ele foge insistentemente e ela insistentemente corre atrás dele. Desiste depois. Era impossível. Para mim começava a tornar-se impossível também a compostura. Em pequenos trejeitos o meu sorriso ia crescendo. Tentava controlar-me. Por fim o cão chegou junto dos meus acólitos, mesmo à minha frente. Estancou e toca de abanar o rabo. De um lado para o outro. À espera. Parecia querer ouvir melhor a Palavra de Deus. Não teve medo, como muitos cristãos, de ir para a frente da Igreja. Impossível alhear-me da situação. Ainda por cima tinha presente o “de rabo para o ar”.
Um dos acólitos é obrigado a largar a vela e sair da Igreja para que o seu cão amigo o seguisse. Eu assisto. Resisto. Acabo a leitura e não resisto. Lá vai uma Palavra da Salvação que mais saiu como de exaltação. Paaa-lahaha-vrrraa da Salvahahaçã…

segunda-feira, janeiro 14, 2008

A pastilha

Crismada há uns dias e catequista e boa rapariga, participativa, interessada, coralista, esta jovem de uns 16 anos não falta à missa. Os seus sorrisos fazem-se notar habitualmente, ou por alegria interior ou por alegria exterior. Sente-se e vê-se. Mas no outro dia excedeu-se um pouco. Os nossos cristãos têm destas coisas. Mascava e mascava. Quase toda a Eucaristia a mascar. No início eu pensei que fosse um mentolito ou coisa do género. Mas a demora em se desfazer começou a distrair-me. Não digo que fosse sua a culpa. Ninguém me mandou olhar para as suas bochechas no vai e vem. Começou a perturbar-me. Começou a inquietar-me. Começou a repugnar-me, sobretudo porque me parecia ser uma cristã com alguma formação. Dez anos de catequese, formação de catequistas, boa aluna, criativa.
Mas tudo isto não passaria de um incómodo se não houvesse distribuição da comunhão durante esta eucaristia. Pois, porque ela saiu do seu banco para comungar, eu não me achei dono da sua comunhão, da sua intenção e do julgamento divino, e por isso, quando ela abriu a boca para comungar e não avistei a pastilha, acabei por lhe colocar a hóstia consagrada na língua. Entristeci-me.
Ao acabar a eucaristia estava murcho por dentro e por fora. Ainda falei com ela, expliquei, re-ensinei, mostrei o meu desapreço e, embora saiba que Deus tem coisas mais importantes com que se preocupar, achei que aquela atitude não era própria de quem sabia a etiqueta e dignidade de Deus.
Voltei para casa a pensar nos dias de hoje em que os nossos cristãos com facilidade facilitam: comungam em pecado, comungam sem preocupar-se com o jejum aconselhado, comungam sem dar valor ao que comungam. Ou então não comungam sem motivo aparente para não comungar.

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Os selos e os envelopes

Estou aqui no lar, senhor padre. Não queira saber as minhas dores. Toco-lhe com carinho no ombro. Mas ela altera-se. Queixa-se do ombro. Ou não está habituada ou dói-lhe mesmo ou está habituada a queixar-se para fazer notar a sua sorte. Por acaso é muito assim cada vez que a vejo. Mas não deixa de ser um caso interessante. Dou-lhe atenção. Beijoca-me todo. E agradece. Às vezes não sei o que agradece. Mas agradece enquanto fala das dores, da zona que nunca mais foi curada. E chora quase sempre.
Mas ontem foi diferente. No final da missa de Natal do lar. Capela cheia. Muita criançada, novos e crescidos. Veio até à sacristia, mais uma vez, agradecer. E no meio do agradecimento e das dores, diz que não tem dinheiro para selos e envelopes. E chora com mais força. Depois explicou que só um filho lhe tinha mandado uma carta. Que os outros dois não. Que passava sempre assim o Natal à espera de cartas. Mas que anteontem tinha ligado ao mais velho, a dizer-lhe que queria o dinheiro que era dela. Que ela não via nem um tostão da reforma dela. E que queria ter ao menos dinheiro para uns selos, uns envelopes e uma folhas para poder escrever-lhes no Natal. Explicava-me depois a mim que eles não lhe escreviam porque ela também não lhes escrevia. Mas que quando ela o fizesse, eles também iam fazer. Por isso exigia ao filho que ficava com todo o dinheiro da reforma e que nunca lhe prestava contas dele, que lhe desse ao menos dinheiro para as cartas. E sabe que me fez ele, padre? Sabe! Desligou-me o telefone na cara. Por isso estou muito triste. Dói-me tudo.
Imaginei que o filho se tivesse cansado de ouvir as suas lamúrias. Mas será que ele tinha percebido a intenção daquelas cartas?!
Por isso, neste Natal desejei em mim um novo propósito: prestar mais atenção àquelas chatas que passam a vida a queixar-se, de forma a perceber o que elas de facto querem dizer ou precisar.
Sabe-se lá o que Deus nos possa querer dizer através delas!

terça-feira, janeiro 08, 2008

sondagem_ “Quantas vezes por mês abres a Bíblia para ler durante mais que 10 minutos?”

Passados que vão mais de dois meses da última sondagem e 250 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado direito, no sidebar. A questão era:

Quantas vezes por mês abres a Bíblia para ler durante mais que 10 minutos?


E os resultados são:

1. só ocasionalmente _21%
2. nenhuma vez _19%
3.
mais que 30 _19%
4.
menos que 5 _13%
5. entre 25 e 30 _ 8%
6.
entre 15 e 20 _6%
7.
entre 5 e 10 _5%
8.
entre 20 e 25 _5%
9.
entre 10 e 15 _4%

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pequenas considerações:

1. Como eu já antevia, a maior parte das pessoas, cristãos ou não, só pega na Bíblia ocasionalmente. Eu conheço muita gente que apenas a usa para efeitos de decoração. A prova desta constatação está no facto de 19% dos votantes não a utilizar nunca. Como poderemos ter cristãos formados e conscientes se não beberem da fonte?
2. Fiquei intrigado porque, contrariamente ao que eu pensava, em terceiro lugar apareceu a opção, digamos, mais valente, de indivíduos que a lêem mais que 30 vezes por mês. São, de facto, uns valentes, não só porque já descobriram a importância e beleza da Palavra de Deus, como, julgo eu, vivem diariamente com ela.
3. Se somarmos as percentagens daqueles que a usam entre 25 e 30, 20 e 25, 15 e 20, obteremos um resultado de 19%. Se somarmos as percentagens daqueles que a usam entre 10 e 15, 5 e 10, menos que 5, obteremos um resultado de 22%, o que demonstra algum equilíbrio. Façam as considerações que entenderem.
4. Se somarmos, de entre as primeiras cinco opções, aquelas que são mais negativas, obteremos um resultado de 53 %, e as mais positivas, de apenas 26%. Se dividirmos as opções entre menos de 15 vezes e mais de 15, obteremos uma diferença larga de 62% contra 39%. Por outro lado, verificamos que as opções do cimo da tabela são as mais negativas e as de baixo da tabela são as mais positivas. Feitas as contas, faça cada um as suas contas.

Hoje surge nova sondagem. A propósito do ano que findou, pode tornar-se interessante a pergunta:
Para ti qual foi o maior acontecimento religioso em Portugal no ano 2007?


Como não é restritivo e como posso ter-me esquecido ou desconhecer algum acontecimento importante ou interessante que tenha acontecido, podes sugerir outros (alguns deles poderão inclusive ser acrescentados a esta votação). Esta sondagem não pretende ter valor oficial, mas levar a pensar nos acontecimentos que podem ter marcado a nossa siociedade portuguesa. No final da votação serão elencados todos os acontecimentos plausíveis apontados por todos. Também podes e deves explicar os motivos da tua escolha.